
Aprenda a transformar emoções em AÇÕES no roteiro.
Atualizado: 4 de abr. de 2020
Uma das maiores dificuldades dos roteiristas iniciantes é conseguir traduzir em ações objetivas os sentimentos, emoções e sensações dos personagens.
Por causa disso, o iniciante acaba criando descrições literárias como “a garota se sentia feia”, “ele digere mal a notícia”, "ele estava com vontade de urinar", “era a primeira vez que a cidade via um sujeito como ele”, o que prejudica a qualidade do roteiro.
Para explicar como criar ações objetivas, vamos mostrar como é o raciocínio por trás dessa técnica usando os 4 exemplos citados.
“A garota se sentia feia”.
O segredo é usar a sua imaginação.
Pense agora em uma garota que se sente feia.
Como ela age? Ela anda confiante, de roupa justinha, sorridente, mexendo nos cabelos, fazendo “biquinho” para a câmera do celular?
Claro que não. Como você a viu na sua imaginação? Provavelmente tímida, sem olhar ninguém nos olhos, andando meio curvada, com roupas mais largas para esconder o corpo.
O que você viu na sua imaginação são comportamentos "filmáveis". É a partir daí que você constrói ações objetivas para transmitir visualmente o que o seu personagem sente.
Continuando: em que situação social você poderia enfatizar ainda mais que “ela se sentia feia”? Uma igreja? Um parque? Um jantar de família? Ou uma balada daquelas em que você quer ver e ser visto, cheio de garotas lindas e populares?
Ações externas também ajudam a passar a sensação do seu personagem. Exemplo: uma cena em que um garoto dá atenção total para o papo da amiga bonita e, quando ela fala, ele responde com um “hã?”.
Os exemplos são infinitos. Pense na sensação/emoção/sentimento do seu personagem, imagine as ações condizentes e adapte à sua trama.
"Ele digere mal a notícia"
Outra descrição literária ocupando o lugar de uma ação.
Digamos que o seu personagem, João, receba a notícia de que ele assinou um documento sem ler e acabou passando todo seu dinheiro para o sócio picareta.
"Ele digere mal a notícia".
Como escrever isso no roteiro sem ser literário e apenas usando ações simples?
Novamente, a chave para encontrar as ações é a sua imaginação.
Como uma pessoa reagiria ao receber uma notícia dessas? Mais do que isso: como o SEU PERSONAGEM reagiria?
Se João é um cara "esquentado", "pavio curto", bravo, essa poderia ser uma ação condizente:
AÇÃO: João soca a parede.
Se João é um cara pacífico, sem atitude, que engole tudo calado, essa poderia ser uma ação condizente:
AÇÃO: João curva as costas, leva a mão ao estômago e faz uma careta. Ele abre a gaveta do armário, pega um comprimido e o engole com água (indicando uma crise de gastrite)
"Ele estava com vontade de urinar"
Se você está com vontade de urinar, o que faz? Procura o banheiro, certo?
Então, seu personagem fará a mesma coisa.
INT. ESCRITÓRIO/CORREDOR - DIA
Vicente anda rápido e para na frente da porta com placa 'W.C" .
Ele força a maçaneta. Está fechada.
Vicente vira as costas e sai.
“Era a primeira vez que a cidade via um sujeito como ele”
Como é que você vai transmitir para o público que era a primeira vez que as pessoas daquela cidade viam o seu personagem?
Mais uma vez: imaginando.
Imagine um sujeito de alguma forma "exótico" chegando em uma cidade onde todos são "padronizados".
Qual seria a reação típica das pessoas da cidade?
Reação 1: Olhar para o sujeito
Reação 2: Apontar para o sujeito, mostrando para o amigo
Reação 2: Cochichar com o amigo
Pronto. O público entenderá perfeitamente que "era a primeira vez que a cidade via um sujeito como aquele".
IMPORTANTE: Você provavelmente já viu roteiros (inclusive de roteiristas famosos) com descrições literárias, poesia, cheios de peculiaridades que, de alguma forma, quebram essa regra. Existem razões para isso. O importante é que você, como roteirista iniciante, concentre-se primeiro em dominar o padrão antes de se aventurar no mundo das exceções.
Releia seu roteiro, identifique as "frases literárias" e transforme-as em ações usando sua imaginação.
Leda Ene
Roteirista